Galeria 11 de julho: o Genocídio de Sarajevo que ninguém fala
Sarajevo é uma cidade muito mais bonita e charmosa do que você provavelmente imagina. Você deve lembrar das suas aulas de história lá do ensino médio, que esta cidade é muito famosa por ter sido palco do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa, que foi basicamente o que desencadeou a Primeira Guerra Mundial.
Mas o que quero mostrar neste post hoje, é um dos memoriais que mais mexeu comigo. Muito mais que visitar os campos de concentração na Alemanha. A Galeria 11 de Julho foi um soco no estômago, não por todas as suas imagens e fotografias que falarei do decorrer do texto, mas por ter sido algo tão recente (1992), um ano antes de eu nascer, e eu jamais tivera ouvido falar sobre isso.
Bósnios, croatas e sérvios, nunca tiveram relações muito pacíficas pelos mais diversos motivos, religiosos, culturais e políticos. Após a Bósnia declarar sua independência da Iugoslávia, os sérvios descontentes com isso cercaram a cidade de Sarajevo com 18.000 soldados. O fato ficou conhecido com o “Cerco a Sarajevo” e foi o mais longo da história moderna, durando e 1992 até 1996.
Os sérvios assaltaram a cidade com armamento pesado, que incluía artilharia, morteiros, tanques, metralhadoras, enfim, tudo o que você pode imaginar. O exército bósnio por sua vez, muito mal equipado não conseguiu revidar. Estima-se que mais de 12.000 pessoas morreram, sendo 85% civis. Com as fronteiras fechadas, muitas pessoas ficavam sem alimento e morriam de fome em suas casas. (Não lembra algo que está acontecendo na Síria atualmente?).
A Galeria 11 de Julho, leva este nome em homenagem a fatídica data do Massacre de Srebrenica, é o primeiro memorial na Bósnia e Herzegovina dedicado a preservar a memória desta tragédia onde 8372 pessoas foram vítimas de um genocídio. Este foi o maior assassinato em massa na Europa depois do Holocausto.
Durante os anos finais do cerco a Sarajevo, moradores da região de Srebrenica conseguiram abrigo num complexo da ONU. As forças Holandesas que estavam em menor número, para ajudar estas pessoas, pediram reforço e não obtiveram respostas da ONU. Ninguém impediu que acontecesse, mostrando a inércia dos governos.
Não é possível fotografar a galeria, as fotos que estão aqui foram retiradas do site oficial. Já na primeira porta de entrada todos os nomes dos corpos identificados estão escritos em uma parede preta. Numa sala ao lado, desprovida de qualquer móvel, apenas um espaço aberto quase lembrando o interior de um hospital, tem em suas paredes as fotos das pessoas que foram assassinadas, e aqui veio o maior choque. A grande parte eram de bebês, crianças, adolescentes e idosos. Diferente das vítimas do Holocausto, em que sabemos os horrores do que aconteceu, não há uma riqueza gráfica como se encontra nesta galeria.
Os bósnios eram separados por gênero e enviados para a execução. Não preciso nem mencionar a quantidade de estupros cometidos contra mulheres e crianças. Em outra ala da galeria é exibido um documentário mostrando corpos sendo retirados das valas, tendo a ossada separada e cientisitas tentando identificar quem eram estas pessoas. No video, eles explicam que para encobrir o crime, as pessoas eram jogadas em valas comuns, alguns eram até enterrados vivos. Isso dificultou o trabalho da perícia, tanto que muitos dos corpos jamais foram encontrados ou sequer identificados. Nas palavras do juíz Fouad Riadque julgou o caso como crime de guerra: milhares de homens executados e enterrados em valas comuns, centenas de homens enterrados vivos, homens e mulheres mutilados e massacrados, crianças mortas diante das mães.” Mesmo depois do acordo de paz assinado, os corpos foram removidos de valas e escondidos em locais secretos para impossibilitar ainda mais as investigações.
O vídeo fica pior, quando mostra um menino tentando escapar dos snipers para pegar água, e na volta é baleado na cabeça, enquanto seu pai chora com ele nos braços, trechos da música Miss Sarajevo toca ao fundo. É algo muito pesado de ver.
Há o depoimento de um dos investigadores: “encontrávamos apenas 110 corpos amontoados em um local onde nossas informações indicavam que 1.200 pessoas haviam sido assassinadas. E alguns desses corpos tinham sido partidos com tratores. Então era óbvio que tinham sido removidos.” A quem se interessar no depoimento completo, deixo um link para sua entrevista aqui.
Como visitei a galeria em 2016, estava acontecendo uma exposição Greetings from Sarajevo 1993, onde diversas peças publicitárias ocidentais, bem como o logo da coca-cola, ou até a capa de um álbum do Pink Floyd foram refeitos fazendo uma crítica muito forte aos acontecimentos e a posição da mídia em minimalizar os acontecimentos. O Massacre de Srebrenica colocou em xeque na época a atuação nos Balcãs, tanto da ONU, quanto dos Estados Unidos e da OTAN (Aliança Militar do Tratado do Atlântico Norte). O genocídio foi realizado em um território sob proteção internacional.
Christina Schmidt, uma enfermeira de origem alemã, liderou uma equipe dos Médicos Sem Fronteiras em Sbrenica. Ela enviou seu relato por rádio para o escritório de Belgrado de sua organização, que transmitiu para a imprensa mundial.
“Todo mundo deveria se sentir a violência nos rostos dos soldados do exército sérvio bósnio direcionando as pessoas como animais para os ônibus. Todo mundo que poderia ter impedido esse êxodo em massa deveria ser forçado a sentir o pânico e o desespero do povo.” (leia mais em: O Massacre de Srebrenica – um dos piores crimes de guerra da Europa)
O que mais enoja depois de tudo isso é que na prática, ninguém foi responsabilizado pelo genocídio. Em 2013 a Holanda foi responsabilizada pela morte de apenas 3 pessoas. E em 2015 a Rússia vetou a resolução no Conselho de Segurança da ONU que classificava este massacre como um crime de Guerra. Se você tiver a oportunidade de visitar Sarajevo, por favor não deixe de conhecer esta galeria. É um passeio que vai te deixar mal, mas algumas verdades precisamos enfrentar.
Essa visita me fez refletir muito sobre os horrores que diversos países estão enfrentando e a posição dos governos e da mídia perante estes acontecimentos. Isso me faz refletir muito quando leio comentários de pessoas falando que as torturas, massacres e ocultações de corpos durante o período da Ditadura no Brasil são apenas invenção, ou besteira. Já pararam pra pensar que uma guerra está acontecendo bem embaixo dos nossos narizes enquanto a nossa preocupação é quem vai ser expulso do Big Brother?