198 Livros: Nigéria – Americanah
Eu sou muito fã de TED Talks, passo vários para os meus alunos, um dia acabei assistindo um muito interessante chamado “The danger os a single story” (o perigo de uma única história), onde uma mulher falava sobre os perigos de conhecer e acreditar em apenas um lado da história que nos é contada. A apresentadora era Chimamanda Ngozi Adiche, escritora de diversos livros incríveis contextualizados na Nigéria, sua cidade natal. Atualmente, além de ser uma das escritoras mais importantes de seu país, é também a voz na luta pelo direito das mulheres, tendo escrito, inclusive, as obras Sejamos todos feministas.
Americanah – É um livro denso, mas cheio de significados. O romance vai abordar temas como racismo, desigualdade de gênero, choque cultural e o preconceito contra imigrantes.
A personagem Ifemelu, está no auge do seu primeiro amor com o jovem estudante Obinze. A situação da capital da Nigéria, Lagos, nos anos 90 era cenário de um regime militar, o que resultou em diversas greves nas universidades. Ifemelu acaba se mudando para os Estados Unidos, destacando-se no meio acadêmico. Seu relacionamento com Obinze é mantido através de correspondências.
Uma personagem importante na vida de Ifemelu é sua tia Uju, que era amante de um importante general nigeriano e acaba tendo que fugir para os Estados Unidos. Uju precisa terminar sua faculdade de medicina e cuidar de seu filho, isso encoraja Ifemelu a se mudar também.
Mesmo com uma bolsa de estudos numa ótima universidade, Ifemelu se vê agora na situação de mulher, negra, imigrante num país muito diferente do seu. Ela não consegue emprego por um longo tempo e acaba caindo numa profunda depressão, o que acaba afetando sua frequência de contato com Obinze, o elo que a ligava a Nigéria.
Com ajuda de uma amiga, ela consegue um emprego como babá. É a partir de fatos corriqueiros, como esperar um trem, ir ao mercado, ou procurar alguém para trançar seus cabelos que notamos como o racismo se manifesta. Ifemelu vê que é tratada como alguém inferior mesmo que inconscientemente pelas pessoas brancas, exemplificado no fato de uma atendente falando mais alto ou pausadamente para que ela entendesse inglês, presumindo que ela seja ignorante por ser imigrante.
Tratada como exótica, a autora ironiza a ignorância da sociedade norte-americana em achar que a África é um único país, ou que negros caribenhos, negros africanos ou negros americanos são a mesma coisa. O estranhamento cultural que Ifemelu sentiu no início foi acentuado quando ela reencontra sua tia, que agora vive num subúrbio predominante de pessoas brancas. Uju trocou de igreja, matriculou o filho na melhor escola para brancos e namora um americano que extorque todo seu dinheiro. Sua comida preferida não são mais as iguarias nigerianas, mas sim nuggets. A língua Igbo, idioma falado por grupos étnicos predominantes no país, não é mais usada, sendo substituída pelo inglês. Segundo ela, “solução para sermos aceitos no bairro”.
Tia Uju, se enquadra no tipo de sujeito colonizado que não aceita a sua origem e que busca sempre o seu apagamento nacional: “Ela evitava tomar sol e usava cremes que vinham em frascos elegantes para que sua pele, naturalmente clara, ficasse ainda mais clara, mais luminosa e ganhasse uma camada de brilho”.
Ifemelu torna-se uma blogueira conhecida, onde discute sobre estas questões raciais, sob a sua visão de uma mulher negra não americana. Ela não discute as atitudes dos brancos apenas, mas sim de outros negros americanos, descrevendo toda uma hierarquia cultural no país. Um dos trechos mais marcantes para mim, é quando ela vai até um outro bairro trançar seu cabelo, que depois de muito tempo sofrendo com relaxantes e produtos para alisá-lo, acaba assumindo seu penteado natural.
Enquanto seu cabelo é trançado, lembra-se de quando sua mãe, após ser convertida para o cristianismo, cortou todo o cabelo em busca de uma redenção divina. Essa relação do cabelo na obra é uma questão muito forte, pois retoma a identidade de uma pessoa negra que, tem seu cabelo como marca.
É incrível como a autora costura estas questões críticas com os fatos quotidianos de Ifemelu. A leitura é fluida, pois acompanhamos um novo amor entre Ifemelu e um jovem rico americano, no qual a todo momento vemos as diferenças culturais sendo costuradas pela autora em falas, gestos e ações.
Por fim, Ifemelu acaba voltando para Lagos na Nigéria e se vê novamente como imigrante, pois a cidade que ela conhecia não era mais a mesma depois de vinte anos. Agora ela é considerada uma -Americanah- como chamava sua amiga, com a entonação no final da palavra. Com o sentimento de estranheza, Ifemelu traz a fala mais icônica de toda a obra “foi preciso eu sair do país para saber que sou negra”.
Americanah foi publicado originalmente em inglês pela Anchor, em 2013. Em português ele foi publicado pela Companhia das Letras. Disponível na Amazon e Saraiva. O livro venceu o seguinte prêmios: National Book Critics Circle Award: Ficção