Daniela Menti

Na minha opinião, conhecer um país não é apenas percorrer os seus pontos turístico. Um país é formado por pessoas e histórias, por isso, acredito na importância de conhecermos como essas pessoas vivem e qual é a sua história.

Por este motivo eu escolhi “As Boas Mulheres da China” para a leitura (eu também li “Adeus China – O último bailarino de Mao”, que é outro livro incrível me deixando em dúvida sobre qual escrever). O livro de não ficção é um dos meus gêneros preferidos para ler atualmente. Não aconselho que você leia este livro se estiver passando por um momento não muito feliz na vida, pois é uma leitura pesada. A escrita é fluida, mas os acontecimentos relatados pela jornalista Xinran são bem fortes e explicítos.

As Boas Mulheres da China trata-se de um relato cru de uma China pós Segunda Guerra Mundial e principalmente uma China durante revolução cultural.

A jornalista Xinran procura compreender a condição feminina da mulher nesta China moderna através de entrevistas, cartas e ligações para o seu programa de rádio chamado “Palavras na Brisa Noturna” que foi ao ar entre 1989 até 1997. Estes relatos são recentes e compreendem mulheres de diferentes idades e classes sociais.

Quando Xinran começou suas entrevistas, o peso de tradições antigas e as décadas de totalitarismo político e repressão sexual tornavam muito difícil o acesso à intimidade da mulher chinesa. Desde 1949, a mídia chinesa funcionava como porta-voz do regime comunista. Rádio, televisão e jornais estatais eram a única fonte de informação, e a comunicação com pessoas no exterior era rara.

O programa era constantemente vigiado e censurado por oficiais chineses, tanto que alguns assuntos considerados tabu na época não podiam ser abordados no programa, como o caso da homossexualidade. A autora também escreve sobre a sua própria história de vida ao longo do livro.

Logo nas primeiras páginas é feita a seguinte pergunta ao leitor: “O que é ser uma boa mulher na China”? Quanto vale uma mulher chinesa?” Xinran descreve que a boa mulher chinesa precisa ser submissa à três pessoas: ao pai, ao marido e após a morte do marido ao filho. As virtudes que dão valor a uma mulher chinesa são: a fidelidade, o encanto físico, decoro na fala e nos atos, e talentos domésticos.

Os relatos expostos por Xinran vão desde sequestro e rapto de mulheres, estupro coletivo, casamento forçado, exílio, tortura, punição para mulheres que eram contra o Partido Comunista, abusos e mais estupros como ferramentas de manipulação comunista, violência doméstica entre outros temas.

Vários relatos me marcaram profundamente neste livro, desde a mãe chinesa que opta por viver num lixão para não envergonhar o filho político, até menina que perde a memória devido um estupro coletivo. Outra história marcante logo no início do livro foi a de uma mulher que para fugir dos abusos do pai, internou-se numa clínica psiquiatrica e sua única amiga era uma mosca que vinha visitá-la diariamente.
Em muitos momentos eu cogitei parar a leitura para processar tudo aquilo que estava lendo, mas segui com a leitura e não me arrependi. A autora possibilita a vozes antes silenciadas revelar provações tão fortes que em certo ponto ela começa a receber denúncias diversas de abuso, humilhação, discriminação, abandono, submissão e descaso.

O relato final se passa numa região de extrema pobreza conhecida como Colina dos Gritos, uma comunidade que vive em cavernas e, segundo a autora, existem apenas duas alegrias no local: sair da caverna quando você ganha uma roupa, e comer um ovo no dia do parto.

Outro fato interessante é que as mulheres utilizavam folhas secas lavadas e reutilizadas inumeras vezes como absorvente, o que as deixava com as coxas em carne viva, dificultando o jeito de caminhar. Xinran deu para aquelas mulheres alguns pacotes de absorventes higiênicos. Quando ela deixa a vila, ela vê que as mulheres acharam o objeto engraçado e deram para as crianças brincar.

De todos os relatos do livro, este último dá a entender que a comunidade mais pobre de todas é a que tem as mulheres mais felizes, ou seja, um convite a nos questionarmos se a felicidade está ligada a ignorância, e assim repensamos a nossa própria existência.

As boas mulheres da China, foi originalmente publicado em inglês em 2002 por Xue Xinran, lançado pela editora Companhia das Letras em 2003. Disponível na Amazon

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