198 Livros: Itália – A Amiga Genial
Bom, eu vou começar o projeto #198 livros trapaceando um pouco, pois eu li este livro logo antes de eu pensar no projeto. A Amiga Genial estava de longe ser uma escolha de leitura, foi o típico exemplo de julgar o livro pela capa. Eu estava procurando um “romancezinho leve” para ler nas férias, e, bom, me surpreendi demais com livro, que de “leve” não tem nada.
A Amiga Genial é o primeiro livro da série intitulada Tetralogia Napolitana, vou tentar me focar só no primeiro título, por que se você for ler o primeiro, com toda a certeza você irá procurar os próximos.
O livro me chamou atenção também pois ninguém sabe quem é o/ escritor/a. Elena Ferrante é um pseudônimo, explicando nas poucas entrevistas às editoras italianas que optou pelo anonimato para poder escrever com liberdade. Existem várias teorias de quem possa ser a autora italiana.
A amiga genial é ambientada na periferia de uma Nápoles caótica dos anos 50. São muitas histórias atraentes ao redor dessa série, que gira em torno de uma amizade entre duas crianças. Lenú, apelido de Elena, e Lina, apelido de Rafaella moram num bairro pobre de Nápoles. O livro é narrado em primeira pessoa por Lenú. Com isso podemos sentir a evolução dos personagens que vivem no bairro decadente e o sentimento de Lenú em relação a tudo que a cerca.
“Elena, a menina mais inteligente da turma, tem sua vida transformada quando conhece Raffaella, uma criança magra, mal comportada e selvagem, se torna o centro das atenções. Essa menina, tão diferente de Elena, exerce uma atração irresistível sobre ela.”
Existem teorias culturais, que dizem que construímos nossa identidade em relação a diferença com o outro, foi assim que entendi a construção de Elena em relação a Lila. A cumplicidade entre elas dá-se logo no início quando elas exploram o bairro juntas, e perdem suas bonecas na propriedade de Dom Achille, um mafioso do bairro.
Cada personagem do livro vai se desenvolvendo ao longo da trama e mostram as mudanças sociais que a Itália vai passar no período pós Segunda Guerra Mundial, desde as brigas entre fascistas e comunistas, a forte presença da máfia, agiotas e greves sindicais.
O livro é violento, e ao mesmo tempo revoltante em diversos aspectos. Ele mostra uma realidade social extremamente machista e patriarcal. Repleta de violência em todos os aspectos da vida, desde o tratamento que as meninas sofrem dentro de casa, na escola e nas ruas.
O contraste entre Lila e Lenú vai se acentuando cada vez mais quando uma delas consegue seguir os seus estudos e a outra não. Ambas sempre tiveram o sonho de ser muito ricas quando crianças e não mediriam esforços para tal. Sonhavam em ser escritoras. Mas o bairro as maltrata, desgasta e subjuga.
O que mais me marcou nesse livro é que percebemos esse mundo de violência simbólica através do relacionamento entre duas crianças, que vão amadurecendo, e no final da saga já são senhoras de idade. A forma que Ferrante descreve a dinâmica da amizade feminina é inquietante. Enquanto existe a cumplicidade e admiração mútua entre elas, Ferrante, com doses pequenas no início e crescendo ao longo do livro expõe a competição entre elas, sempre na busca pela superação seja nos estudos seja nos relacionamentos amorosos.
Três pautas são fortes ao longo da série, o empoderamento feminino, desde o acesso ao estudo, até o entendimento da sexualidade das personagens. A luta de classes também é forte na trama, quando a ascensão social é a única forma de fugir do caos do bairro. E por fim, o crime organizado é representado por duas famílias proeminentes, os Carraci e os Solara. As relações de poder estão em evidencia em todas as páginas.
Pra quem achava que ia ler um romance adolescente despretensioso, fiquei demorando para assimilar tudo o que li nessa saga. Ferrante me surpreendeu positivamente, mais do que eu esperava. Apesar de todas estas questões culturais e sociais que o livro aborda, a leitura é fluida e tranquila. A narração em primeira pessoa de Lenu te faz sentir os cheiros dos esgotos de Nápoles, os prédios pulsando, a calidez das ruas e o gosto das sfogliatellas e canolis da confeitaria dos pais de Gigiola.
A Amiga Genial, faz parte da tetralogia Napolitana , foi originalmente publicado em italiano em 2011, lançado pela editora Biblioteca Azul no Brasil. Em 2018, foi transformado em série pela HBO.