Daniela Menti

Abro a porta e dou uma espiada no ambiente. O ranger das dobradiças ecoa pelo corredor vazio. O lugar parece ter parado no tempo. Tem teias de aranha esticadas nos cantos das paredes, como se os anos tivessem passado sem pressa. Cheiro de poeira no ar, impregnando tudo. Faz tanto tempo que não entro aqui. A última vez que escrevi algo foi naquela época… estávamos todos trancados em casa, lembram? A pandemia, que coisa curiosa. Ah, e meus avós… eles faleceram também. Bem lembrado.

Caminho até a sala de estar, pequena, porque raramente recebo visitas. Apesar do tamanho, sempre foi aconchegante. Passo a mão pelo sofá, e uma nuvem de poeira se levanta. Abro um pedacinho da cortina, e um tímido raio de sol de primavera invade o ambiente. Dou aquela olhada rápida, conferindo se tudo está como deixei. Mas, mesmo parado, percebo que algumas coisas mudaram com o tempo. Para começar, ninguém mais tem paciência para ler, e isso, curiosamente, é libertador. Posso escrever sem pressa, sem compromisso, sem a pressão de agradar

Sempre gostei de ser invisível

Posso colocar uns pensamentos bem peculiares aqui. Sempre gostei de ser invisível, de interpretar o papel de observador — mas não confunda com voyeurismo, afinal, isso aqui é uma casa de família. Gosto de observar as pessoas no aeroporto, nos prédios, nas calçadas. Fico imaginando que histórias cada uma delas tem para contar. Será que aquela mulher ali está indo encontrar o amante? E aquele homem de terno, o que será que vai fazer para o jantar hoje à noite? Não sei. Mas sinto um pequeno prazer em imaginar essas possibilidades, mesmo que, ao mesmo tempo, venha também um sentimento estranho, como se estivesse invadindo a vida deles sem permissão. Eu apenas observo, sem interferir, como se fosse um espectador anônimo de uma peça que nunca conhecerei o desfecho.

Bato a poeira da almofada, encosto as costas no sofá e olho para o lado, confiro se tem mofo na parede. Parece que está tudo em ordem. Fecho os olhos por um minuto, tentando organizar meus pensamentos. Uau, tem tanta coisa na minha cabeça que é difícil puxar um único fio. Meu último post aqui foi logo depois de eu ter descoberto o câncer — que já se foi, graças a Deus (ou ao diabo, que o carregue). Não quero guardar lembranças dessa fase. Abro os olhos e mexo em algumas revistas velhas guardadas embaixo da mesa de centro. Uma pilha empoeirada, algumas até amassadas. E, caralho, temos ChatGPT agora? Se isso existisse na época do meu mestrado, teria poupado tanto tempo e dor de cabeça. Nem acredito que perdi isso por tão pouco tempo!

Por que eu voltei a escrever?

Ah, o mestrado… Foi também nessa época que parei de escrever. Ironicamente, foi justamente o período em que mais escrevi na vida — mas, de algum jeito, perdi completamente a vontade de continuar. Engraçado, né? Como diria a Alanis: Isn’t this ironic? Escrevi sem parar: artigos, resenhas, trabalhos intermináveis. A pressão era grande, não diria insuportável, e o prazer que eu costumava sentir ao escrever simplesmente desapareceu. Cada palavra parecia um peso, cada frase um esforço. No final, aquilo que antes me libertava se transformou numa prisão. Engraçado? Nem tanto.

Decidi voltar a escrever depois de uma mentoria (se você soubesse o quanto eu odeio essa palavra). Sinto que escrever é o único jeito de organizar minha cabeça e diminuir o volume dos cinquenta assuntos que acontecem dentro dela ao mesmo tempo.

A casa está em dia, mas está bem bagunçada. Tem quinquilharias espalhadas por todos os cantos: livros empilhados em lugares errados, revistas antigas, e caixas que nem lembro mais o que têm dentro. As fotos nas paredes estão tortas, algumas já desbotadas.. Algumas vão direto para os álbuns, para serem guardadas com cuidado. Outras? Essas vão para a lareira ou serão esquecidas no armário lá no fundo. Não significa que são ruins, mas simplesmente não precisamos revê-las agora, né? Levanto, pego uma vassoura e um balde, ajeito as costas com um leve estalo e respiro fundo. Vamos lá, hora de colocar essa casa em ordem.

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O que esperar?

Agora, vamos fazer um trato: aqui não vai ter ChatGPT, nem compromisso com a verdade (talvez um pouco, nunca saberemos). Dicas de viagem a gente encontra no TikTok em 30 segundos (não estou falando mal, aliás, adoro). E, se me der na telha, eu posso até postar dicas de viagem, porque contradizer-se é uma maravilha. Aqui, vou contar histórias — em tempo real ou não.

Ah, os filtros. Antigamente, eu editava todas as fotos que postava aqui. Agora, vou usar elas cruas mesmo. Quero retomar meu gosto por escrever. Lembra quando tínhamos hobbies na escola? Esse será o meu, e te convido a me acompanhar. Então, venha cá que eu vou preparar um cafezinho para nós…

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