Minhas piores viagens
Eu estava pensando em escrever um texto sobre “minhas melhores viagens”. Abril é um mês de nostalgia pra mim, pois foi nesse mês que me mudei pra Itália em 2016. Mas como o ser humano é, a cada vez que eu pensava numa memória boa de viagem, me vinham 3 ruins antes. Então mudei para “minhas piores viagens”, vamos lá.
Primeiramente, os casos que vou escrever, na maior parte deles, arruinaram minhas memórias por causa da companhia. Em segundo lugar foi a falta de planejamento, e por fim, acontecimentos que não tem como prever. Ou foram os três juntos.
Romênia e o festival de Gothic Metal
Começando essa lista por um dos países que eu mais tinha vontade de conhecer. As terrinhas do conde Drácula foram um pouco decepcionantes pra mim. Bom, talvez o fato inicial que me deixou com uma impressão ruim do lugar, é que num mochilão de quase um mês pelos balcãs no verão, a Romênia foi o último país a ser visitado.
Adicione isso a uma viagem de 10 horas de trem saindo da Bulgária com uma galera carregando até galinhas, mais o calor e o cansaço de ter que dormir em rodoviárias e comer em barraquinhas de rua, chegar em Bucareste às 22h não é algo muito legal.
Saindo da estação, a missão de encontrar o hostel já estava fora do alcance. Eis que pensamos, “que tal um taxi ?”. O maior erro. Duas mulheres, a noite, claramente estrangeiras, tentando negociar com um figurão romeno com corrente dourada no pescoço o valor da viagem. O bonito que exibia um bigode embanhado fedendo a cigarro se negou a utilizar o taxímetro, pois afinal, não trabalhava para enriquecer o chefe. Acompanhávamos a viagem pelo GPS e vimos as voltas extras que ele fez, ai quando argumentávamos ele simplesmente esquecia que falava inglês. Claro que a corrida saiu bem mais cara do que o combinado mas chegamos no bendito hostel.
No dia seguinte, já esgotadas de tomar na raba, fomos passear no castelo do Drácula. Para chegar lá, era preciso pegar um trem e um ônibus. Beleza pensamos, o que pode dar errado?. Muita coisa
Primeiro, comprando o bilhete de trem, senti que fui excomungada e xingada até a terceira geração da minha família pela atendente que estava de muito mal humor e começou a gritar comigo. Princesa que sou, e com respeito a minha integridade física, não falei nada. O trem estava quase saindo e nada de encontrarmos qual era o certo. Um guardinha que falava inglês nos ajudou, mas o vagão era lá no final. Começamos a correr por dentro do trem até que alguém grita numa voz carregada de ódio: YOU CANT RUN INSIDE THE TRAIN, GET OUT! Ah pronto. Fomos expulsas do trem. Saímos por um vagão e entramos por outro, pois não somos trouxas de perder o trenzinho. Com calma fomos gritando para os passageiros ALGUÉM FALA INGLÊS AQUI? Até que uma menina de uns 15 anos muito tímida afirmou, com paciência ela nos ajudou a achar os benditos assentos (parece que dá multa se você está no lugar errado). Ela riu muito quando contamos nossa saga e nos falou que estudava em Brasov e estava indo visitar a família. Tudo certo? não.
Nossa guia desceu umas estações antes e nos confundimos no ponto de descida. Chegamos numa estação que ficava no meio do nada, tinham apenas alguns prédios escuros, herança do comunismo do passado, porém dava pra ouvir um murmúrio de pessoas. Chegamos numa das plataformas e nos deparamos com uma cena de alguma comédia pastelona.
Haviam umas 100 pessoas, todos entre 15 e 30 anos, cobertos de piercings, tatuagens na cara, cabelos espetados e todos vestindo roupas dignas de um filme gótico dos anos 80. Entendemos que teve um festival de gothic metal ai perto e eles estavam voltando. Nos olhavam com cara de “o que essas loucas estão fazendo aqui”. Por sorte, dois alpinistas da Eslováquia também desceram na estação errada. Começamos a rir, e eles nos contaram que estavam indo para as montanhas que ficam próximas ao castelo para fazer hiking por alguns dias. Caminhamos pela rodovia até encontrar um ônibus que ia para a cidade do castelo. Para a nossa alegria ele estava lotado igual ônibus no Brasil saindo das firma às 17:10. Crianças chorando, pessoas gritando no telefone, uma música romena a todo volume no rádio do motora. O motora falava no celular e contava um maço de dinheiro enquanto dirigia. A Aline começou a discutir com uma criança de uns 6 anos que fazia birra e gritava. Os eslovacos estavam de saco cheio também, até que chegamos no castelo.
Nos despedimos deles e fomos procurar a entrada. Havia uma fila de no mínimo uns 2 quilômetros. Desistimos de entrar e gastamos nosso dinheiro com comidas e brinquedos. Tem um trenzinho do terror que é muito divertido, bem como muitas feirinhas com máscaras de capiroto e afins. Desculpa Drácula, mas não foi dessa vez. E na real, estávamos tão saturadas de ver castelos medievais que olhando na internet depois, não perdemos muita coisa em não ter entrado.
Dinamarca no Natal
Passar o Natal num país nórdico, que legal a ideia, não? Não. Eu sou a montadora oficial de roteiros da galera, então não tenho nem a quem culpar. Chegamos no dia 23, a noite em Copenhagen, uma friaca enviada pela própria Elsa de Frozen. O vento forte e a umidade pareciam facas cortando o que ficava de pele exposta. Levamos um tempão para entender como funcionava o metrô e nosso airbnb ficava muito longe do centro. Chegamos no prédio 2 horas depois do combinado,e claro nosso host não estava lá. Ligamos, ligamos e ligamos, até que ele atendeu num sotaque indiano bem marcado, falou que já estava chegando.
O nosso andar exalava cheirinho de curry e mofo, mas estavamos cansadas e dormimos. No dia seguinte, véspera de natal, acordamos tarde e fomos passear pela cidade. Estava tudo morto, sem nenhuma alma viva nas ruas. Às 3h da tarde já anoitecia e não encontramos NENHUMA loja aberta para fazer as compras da ceia de natal. Nem lojinha de bebidas. Nada.
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O frio continuava, a fome, o cheiro de curry com mofo. Por fim encontramos um mercadinho árabe, que vendia umas comidinhas estranhas. E não tinha bebidas. Bom, nossa ceia foi um enrolado de legumes assado e água. Assistimos a um filme, e eu levei um perdido de um cara no Tinder, mas isso fica pra outro post. Por sorte o Tivoli abriu no dia 25, então passamos o dia aproveitando o parque de diversões mais antigo da Europa.
Dormir num puteiro em Roma
Sabe aquela história de pegar o hostel mais barato que custa menos de 8 euros mas fica um pouquinho mal localizado? Estava com duas colegas de intercâmbio, ambas brasileiras e fomos fazer igual a Sabrina e passar um final de semana em Roma (só os idosos entenderam essa), Final de intercâmbio sem um eurico a mais no bolso. Chegamos em Roma próximo a meia noite e fomos caminhando por muito tempo. Chegamos num prédio, que ainda tinha marcas da guerra, numa parte suja de Roma, muito mais que o normal. Subimos uns 150 lances de escadas, essas de filme de terror, todas trabalhadas em arabescos de metal e assombrações.
A recepção tinha um pôster de um homem dando um enforca-gato numa mulher, já vi ai que ia dar treta. O recepcionista era um coreano que não falava inglês, discutimos com ele e sem entender nada ele nos mandou pra um quartinho. As portas não tinham fechadura, sequer maçanetas. Ficar lá foi quase um live-porn, pois as mulheres dos quartos ao lado gemiam de dar inveja ao famoso áudio “gemidão do zap”. Empurramos as camas contra a porta para ninguém entrar, e volta e meia alguém dava uns tapas fortes nela. Foi a noite que eu mais tive medo eu acho. Claro que antes de amanhecer já tínhamos dado o fora dali.
Grécia e todas as desgraças juntas
Infelizmente, o país que eu mais tinha vontade de conhecer, visto que sou a louca das histórias da mitologia grega, recebi um balde de água fria. Quero deixar claro, que se não fossem as paisagens exuberantes do país eu acho que teria voltado pro Brasil a nado. Essa trip mudou minha vida, me fez ver como planejamento é sim muito importante, e essa historia de “ai deixa que o destino me leva” é a maior baboseira da internet.
Vamos lá, conheci uma menina na Islândia que ficamos muito amigas, ela me comentou que estava indo pra Grécia na mesma data que eu pretendia ir e fazendo o mesmo roteiro, pensei, ué, vou junto. A diferença é que ela morava na França junto com outras meninas que também iriam. Estas outras gurias eram quem e estavam planejando tudo, logo minha amiga também não as conhecia muito bem. Preciso nem dizer que deu merda né?
Começando que eu cheguei em Atenas num voo que atrasou, então eu perdi o ferry para Santorini. O taxista (não tinha uber na época) me jurou que chegaríamos a tempo, novamente cai no golpe do taxista, que começou a me levar nuns becos escuros, gritava comigo, até que ele foi diminuindo e eu abri a porta, ele me xingou em tanta coisa em grego, que Zeus deve ter ouvido e ficou com pena de mim. O filho de uma Troia me cobrou 80 euros. OITENTA. EUROS. Fui caminhando por uns 40 minutos até o porto, chorando e com raiva, num sol de 150 graus.
Era o alto da crise de refugiados na Grécia, todos chegavam no porto de Atenas. Imagine a cena, de um lado, navios de cruzeiros luxuosos, uma fila de turistas cheios da grana que gritavam, riam e faziam selfies. Do outro lado da calçada, um acampamento até onde a visão alcançava, de pessoas fugidas da guerra, muitas mulheres, idosos e crianças. Tinha criança tomando água do esgoto que passava ali perto. Eu fiquei tão impactada que eu quis chorar de novo. Ver isso diariamente no noticiário parecia normal, mas ao me deparar com aquela cena ao vivo foi um choque.
Me hospedei num hostel em Santorini caindo aos pedaços, onde fiquei sabendo que uma mulher foi estuprada na noite que eu saí de lá. Como estava sozinha nos primeiros dias, fui fazer um desses passeios de barco com mergulho em alto mar. Deixei minha mochila a bordo e fui nadar. Terminado o passeio, pego minha mochila pra comprar água e cadê minhas coisas? Fui roubada. Alguém limpou ela enquanto eu mergulhava. Por sorte meus documentos estavam no hostel, mas tudo que eu tinha pra passar o dia já eras, até as lembrancinhas e garrafas de água me levaram. Por sorte, eu tinha 5 euros num bolsinho secreto, e o ônibus para voltar e ver o famoso por do sol em Santorini era 4,80. Eu já estava cagando para o tal por do sol, só queria ir embora. Peguei um ferry para Creta no dia seguinte onde eu encontraria as outras meninas. Tive que ir dormindo no chão por que não haviam mais cadeiras. Eu já estava de saco cheio de tanto me f*der. Fui enxotada de um banquinho que eu estava cochilando pelo garçom mal educado do restaurante do navio como se eu fosse um lixo. Pelo menos o hostel que eu fiquei em Creta era maravilhoso, a dona deve ter ficado com pena da minha historia e me deixou num quarto só meu, com vista para o mar.
Pensei que a situação melhoraria quando eu encontrasse as meninas. Tirando minha amiga da Islândia e uma outra, era um bando de mulher entojada, que reclamavam de absolutamente tudo. Alugamos um carro mas as motoristas viravam a noite enchendo a cara de cachaça nas baladas e de manhã não conseguiam dirigir. Que inferno. Como na época eu não dirigia então precisava que elas me deixassem no meu hostel, que ficava a 20 minutos do delas. Eu me recusava veementemente a pegar taxis depois dos últimos acontecidos. A mais fresca delas, uma das motoristas (estávamos em dois carros), não queria me levar por que estava com dor nos pézinhos, tadinha. Eu já estava a ponto de matar alguém. Tive que dormir num quarto fedido com umas 20 pessoas num albergue já que não tinha como voltar. Todas as minhas coisas estavam no outro hostel maravilhoso, então tive que sair as 5 da manhã, pegar um ônibus até lá enquanto as madame dormiam, voltei pois pegaríamos outro ferry.
Comprei o bilhete no porto errado, mais 50 euros de prejuízo, naquele ponto eu já nem chorava mais, só rezava pra essa maldita viagem terminar. Chegamos em Zakynthos para ficar 4 dias e eu já estava procurando antecipar meu vôo de volta. Eu já não aguentava mais a companhia daquelas gurias insuportáveis que bebiam de noite e dormiam o dia inteiro. Minha amiga da Islândia também estava de saco cheio e nos distanciamos, fomos conhecer a ilha por conta. E assim o tempo passou mais rápido. Incrível como pessoas podem destruir uma viagem. Infelizmente, Grécia eu te odiei, espero um dia poder voltar pra mudar minha opinião. Aprendi a nunca mais confiar no planejamento de outras pessoas, e só viajo com outras pessoas se eu puder fazer as planilhas.
Leia mais: Cavernas de Zakyntos, a ilha mais bonita da Grécia
A minha dica é, se você já passou por algo parecido o que resta é dar risada e escrever num blog. E tentar não ser trouxa na próxima. Comenta o seu perrengue aqui embaixo pra eu não me sentir trouxa sozinha.