Daniela Menti

Pensei em escrever sobre a floresta antes que queimem fora tudo.

No último post, eu conto que parei de escrever durante a pandemia; Em 2021 era de temer a pandemia do covid, a cabeça vazia vira oficina da passagem aérea. Eu estava sem emprego e sem perspectiva de quando voltaríamos ao normal. Lembro que estava tomando chimarrão com meu pai e veio um alerta de promoção Caxias do Sul – Manaus. Não pensei duas vezes, atenção atenção, tô indo mês que vem pro Amazonas. 

Beleza, passagem comprada, vacinas em dia, e eu não esperava que essa seria uma das viagens mais incríveis que eu faria, acho que que tá no top 3, (junto com a Islândia e a Bósnia). 

Como eu iria sozinha, fechei de antemão um pacote com a Iguana tour pra 5 dias. 2 dias em manaus, 1 em presidente figueiredo e 2 a mata

Aqui nesse post atigo eu conto o roteiro certinho que eu fiz. Nesse post  aqui e vou contar sobre as experiências 

A chegada e o seu Manuel

A começar pela chegada: desembarquei no aeroporto à noite e combinei com a agência para que organizassem um transfer até o hostel. O motorista era o seu Manuel. Nascido em Portugal, ele se apaixonou pelo Brasil e por uma brasileira manauara, e fez daqui sua morada desde os 20 anos. Agora, com quase 70, ele me contou que o que mais sente falta de Portugal é do mar, mas não voltaria para morar lá. Conversamos por cerca de vinte minutos até chegarmos ao hostel. Quem acompanha meus textos antigos sabe que sempre viajo com o orçamento apertado, o que significa que opto por quartos compartilhados.

No entanto, uma das coisas que mudou desde que parei de escrever foi essa prática. Fiz um “contrato” comigo mesma (tenho vários, negociados com o jurídico que mora na minha cabeça) de nunca mais ficar em quarto compartilhado, como aconteceu na Grécia (link). Desta vez, reservei um quarto privado com ar condicionado (super útil em Manaus, recomendo) para os próximos dias.

No dia seguinte, tomei café na rua e fui explorar o mercadão público. O local escolhido para o café foi uma birosquinha entre duas bodegas que vendem apenas um produto: o xis caboquinho. Esse lanche consiste em um pão francês recheado com lascas de tucumã, banana pacovã madura frita, queijo coalho e manteiga, uma combinação nota 10.

A cura do infecção urinária até a depressão

No mercado público, como em qualquer lugar, há uma explosão de cheiros e sabores. Este, em particular, tinha muitos produtos típicos da região. Havia garrafadas com extratos e elixires que prometiam curar desde infecção urinária até depressão. Passei pelas sessões de perfumes, todos inspirados na lenda do boto ou da bôta. Achei um pouco turístico, mas comprei um frasquinho só pela diversão. (Corta para um ano depois: eu usando o perfume em um date com um rapaz que conheci online, e, adivinha, estamos juntos até hoje). Ah, como a vida é engraçada!

O duelo entre o vendedor, o açaí, e eu 

O açaí verdadeiro é aquele sem firulas como Nutella, leite em pó, frutas, chocolates e afins. Quem é gaúcho sabe bem o quanto detestamos ver a cuia enfeitada com frufrus de biscuit ou receber a erva misturada com açúcar, mel ou até leite. Só de ver uma cuia assim, o véio milongueiro puxa o facão. Deve ser o nosso equivalente a misturar doces no açaí.

Não é minha intenção desrespeitar outras culinárias, então eu decidi experimentar o açaí puro, acompanhado apenas de farinha de tapioca. Quando o vendedor me entregou a iguaria, ele tinha aquele leve sorrisinho quase imperceptível no canto da boca, como se estivesse pensando: “Ó lá a turista bocó, vai fazer cara feia quando provar.”

Neste momento iniciou uma guerra fria entre mim e o vendedor, Numa troca de olhares no duelo imaginário com ele, fiz a cara mais estática possível, igual quando você vai a um restaurante e a conta vem altíssima, mas você tem que manter a compostura, mesmo sabendo que só tem três reais na carteira.Tirei forças do fundo do meu âmago quando o primeiro gole chegou. Dei o primeiro gole, imagine que está tocando Numb do Linkin Park ao fundo, igual uma luta final de anime. Você já viu um adolescente virando um shot de tequila pela primeira vez? Era a cara que eu queria fazer, mas me segurei. Exatamente assim. Tomei mais um gole e fiquei encarando o rapaz. Até que ele solta um “Gostou, é?” Eu sacudi a cabeça afirmando, porque se eu falasse, com certeza desceriam lágrimas.

No dia seguinte, fomos para Presidente Figueiredo, uma cidade conhecida por suas diversas cachoeiras. Mas o ponto alto da viagem foi passar um dia acampando na mata.

A kombi do Flamengo

Para chegar ao destino, foi necessário ir até o porto de Manaus e, de lá, pegar um barco até uma comunidade ribeirinha. Nessa comunidade, encontramos uma Kombi decorada com as cores do Flamengo, toda vermelha e preta. Andamos por cerca de 40 minutos em estradas que estavam um pouco piores do que as do interior de Farroupilha fora da época de eleição. No final, nos deparamos com um atoleiro e aproveitei para tirar uma foto com meu lookinho de Bear Grylls indo para a feira do agricultor.

Agora, a parte mais empolgante: pegamos um barquinho e atravessamos a floresta alagada. Acho que nunca mais viverei uma experiência tão intensa quanto essa. O guia local conhecia cada curva do rio como conhecemos a localização da praça de alimentação do shopping. Ele se orientava pela posição dos galhos (ok, em uma ocasião ele errou o caminho, mas vamos ignorar). Vimos vários bicho-preguiça nas árvores e muitos, mas muitos pássaros. Até aprendi que “Martin-Pescador” é traduzido para “Kingfisher” em inglês. Acho que o nome em português é bem mais charmoso.

Chegamos na pousada, onde, como era de se esperar, não havia internet. Foi uma bênção ficar longe das redes sociais. E deu para entender por que o lugar se chama “rainforest” – a bichinha tem chuva todo fim de tarde. Nadei no Rio Amazonas sob a chuva, uma experiência única.

Na manhã seguinte, fomos observar jacarés. Nosso guia, chamado Edward e natural da Guiana, trouxe seu filho de 11 anos, que pegou um filhotinho de jacaré para nos mostrar. Vimos o nascer do sol em um barquinho no rio e, em seguida, partimos para nosso acampamento.

Zé Jacaré

Chegamos no alojamento, um galpão com telhado de palha e cerca de 10 redes de dormir com mosquiteiros. O guia nos chamou para perto do barco para apresentar seu amigo, o Jack. Jack não era um amigo qualquer; era um jacaré que, acostumado a receber petiscos toda vez que o guia trazia turistas, aparecia para dar um alô. O guia deu uns pedaços de frango, e o Jack se mandou. Só fiquei imaginando se esse Zé-Jacaré voltaria à noite para pegar os petiscos que estavam dormindo na rede. Por garantia, escolhi uma rede o mais longe possível do rio, eu hein. 

À noite, o breu era total; não se via nem a ponta do nariz. Nosso guia preparou uma galinhada com o resto do frango, e dividimos a refeição com o Jack, o lagarto que come gente..

Para ser sincera, eu não dormi muito naquela noite, pois a floresta faz muito barulho. E você sabe como é a cabeça do maluco, ela só piora num cenário assim. Já comecei a imaginar o curupira vindo, o boitatá dançando e o jacaré comedor de franguinho correndo atrás de mim, e por aí vai.

Pela manhã, a orientação era conferir as botas para garantir que nenhuma cobra ou aranha tivesse entrado. Tomamos café, limpamos nossa bagunça e retornamos ao lodge. Passamos o dia nadando e vendo os botos. Graças a Deus, a única casada do grupo estava bem segura longe do rio; melhor não arriscar perto dos botos.

Encerramos o dia com o guia mostrando ervas medicinais da região e compartilhando lendas do folclore indígena.

Finalizei a viagem em Manaus. Infelizmente, o teatro municipal que eu tanto queria visitar seguia fechado devido à Covid. Me despedi da cidade tomando um tacacá e comendo um risoto de queijo coalho com pirarucu, que tenho certeza que nenhum lugar fora de lá conseguirá reproduzir.

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